
No post passado, falamos de alguns dos nossos vieses, e de como eles levam a comportamentos não racionais e, às vezes, prejudiciais. O efeito de um estudo fraudado*, associando vacinas a autismo, por exemplo, teve consequências devastadoras. Pais leigos, mas preocupados e bem-intencionados, deixaram de ouvir a opinião da comunidade cientifica e das autoridades de saúde. E deixaram de vacinar seus filhos. Consequentemente, muitas doenças já erradicadas em países europeus retornaram, como, por exemplo caxumba, sarampo e rubéola. E, obviamente, a incidência de autismo não aumentou (você pode ter passado a ouvir mais sobre o autismo, mas esta discussão fica para outro texto).
O que a comunidade cientifica, autoridades e imprensa fizeram para combater a desinformação? Como em muitos outros casos, tais como aquecimento global, ou até da terra plana, trataram de disseminar o conhecimento científico. Inúmeros estudos e evidências de que vacinas fazem bem, foram divulgados. Argumentos baseados em dados, de que suas consequências negativas são mínimas frente às enormes vantagens, foram disseminados.
Para o pensamento racional dos cientistas, argumentos lógicos e estudos replicados inúmeras vezes, baseados em farta evidência empírica, são o antidoto para a ignorância. Entretanto, esquecem que do outro lado da linha estão pessoas. Nós, humanos, que tomamos decisões baseados em heurísticas e vieses e que, portanto, somos, muitas vezes, tudo menos racionais. Mencionamos alguns destes vieses que suportam o pensamento anticiência no post anterior.
Por isso, o efeito de tanta disseminação da ciência para gerar mudança do comportamento antivacinas foi…mínimo ou nulo. Pois bem, um experimento feito por psicólogos da UCLA e da Universidade de Illinois ** buscou uma nova tática para convencer pais relutantes a vacinarem seus bebês. Eles partiram do princípio de que os pais que se recusam a vacinar seus filhos já têm fortes crenças em relação ao possível efeito colateral – o suposto aumento do risco de autismo.
Tentar alterar essa percepção resulta em resistência. Pode gerar até reatância, a nossa tendência em fazer justamente o contrário, como reação ao que percebemos como uma tentativa de restringir a nossa liberdade de escolha.
Por isso, eles não tentaram persuadir as pessoas de que a vacina tríplice viral não causa autismo. Os pesquisadores destacaram o fato de que esta previne doenças potencialmente mortais. Esse é o caminho de menor resistência – as pessoas não têm motivos para duvidar de que a vacina protegerá seus filhos do sarampo, caxumba e rubéola.
A abordagem da equipe envolveu encontrar um terreno comum: a prioridade dos pais e dos médicos era a saúde da criança. Focar no que eles tinham em comum, e não no que discordavam, possibilitou a mudança. A solução mostrou-se eficaz e muitos pais passaram a vacinar suas crianças.
Destacar a capacidade da vacina tríplice viral em proteger as crianças de doenças devastadoras era mais provável de ser eficaz. Muito mais fácil do que tentar dissipar os temores de seus efeitos colaterais. Quando uma crença estabelecida é difícil de eliminar, semear uma nova pode ser a resposta.
Este exemplo real mostra como o conhecimento da natureza humana e dos mecanismos que orientam nossas decisões são essenciais para mudar comportamentos.
* Vaccination as a cause of autism—myths and controversies, Michael Davidson, Dialogues Clin Neurosci. 2017 Dec
**The Influential Mind: What the Brain Reveals About Our Power to Change Others (English Edition)” by Tali Sharot)