
Marcas de luxo – desde bolsas até relógios, de sapatos a carros, passando por vinhos e destilados – declaram usar as melhores matérias primas, ter mais cuidado na produção e entregar mais qualidade nos seus produtos. Entretanto, a qualidade objetiva, em atributos funcionais ou sensoriais, raras vezes justifica diferenciais de preço que podem passar facilmente dos 1.000% e chegar a 6.000%, em relação a itens que atendem à mesma necessidade básica: carregar objetos, proteger os pés, acompanhar uma refeição ou nos transportar.
Ou seja, preço não pode ser apenas resultado dos custos envolvidos ou da qualidade. O que mais o justifica, então? A construção simbólica associada à marca é essencial. Para artigos de luxo, por exemplo, desta construção fazem parte a escassez e a exclusividade. Elas reforçam benefícios emocionais e identitários, tais como status, poder, pertencimento a um grupo privilegiado e assim por diante.
Dois casos recentes ilustram bem os dois pontos anteriores. Um vídeo, (1) mostrando uma bolsa Chanel de dez mil dólares sendo produzida com a ajuda de máquinas foi rapidamente retirado do ar pela marca. Caso parecido aconteceu com a marca Tânia Bulhões, quando uma xícara, que deveria ser exclusiva, foi vista num café da Tailândia (2). Nos dois casos, ficou subentendido pelos consumidores que os produtos não são tão exclusivos e que o processo de produção não é tão especializado e artesanal como deveriam ser.
Aos fatores anteriores, devemos acrescentar o preço, como indicador de qualidade e exclusividade. O próprio preço tem o papel de comunicar o quão premium o produto é e, portanto, justificar a si mesmo.
Um comercial (3) de uma marca de lojas de sapatos demonstrou isso de maneira bastante irônica. A Payless, rede estadunidense de baixo preço, abriu uma loja conceito e “italianou” o seu nome, para Palessi. Todos os convidados à inauguração, acreditando ser de uma marca de luxo italiana, aceitaram pagar preços absurdamente mais altos. Por exemplo, um sapato “Palessi” chegou a ser oferecido por preço 1.800% mais caro do que seria cobrado pelo exato mesmo modelo com a marca Payless.
O próprio preço cobrado reforça a percepção de valor. Usamos o exemplo das marcas de luxo, pois lá isto é levado ao extremo. Mas isso ocorre em todas as categorias de consumo. Estudos mostram que até remédios, quando mais caros, são percebidos como mais eficazes. Em um experimento (4), um analgésico de $2,50 foi percebido como significativamente mais eficaz (para atenuar a dor de pequenos choques elétricos) do que o mesmo produto a $0,10.
Em todas as categorias de produtos e serviços, não apenas a qualidade, ou a escassez, ou a expertise, ou a marca justificam o premium. O próprio preço produz e reforça o valor. Ou seja, estas são todas características que trabalham em conjunto e se retroalimentam e reforçam. Da mesma maneira que uma bolsa de 10.000 dólares não deve ser feita em série, uma bolsa feita por artesãos e com couro especial, se vendida a 50 dólares, também não teria credibilidade como item exclusivo.
O preço é um componente essencial de qualquer estratégia de marca, porque é humano usar certos marcadores, ou indicadores, para tomar decisões. Nenhum de nós tem tempo de avaliar todos os aspectos de uma decisão o tempo todo. Recorremos aos atalhos que chamamos de heurísticas – “dicas” e atalhos mentais que nos ajudam a tomar decisões. O preço é um deles. O que chamamos de heurística preço-qualidade é a nossa tendência a usar um preço mais alto como indicador da qualidade, como mostra o estudo acima.
Como com marca e com qualidade, o preço sozinho não funciona. Há outros fatores, como distribuição, mas sempre a tríade preço-marca- qualidade deve andar junta e de maneira consistente. Como demonstram os casos da Chanel e da Tânia Bulhões, o preço somente, sem os reforços simbólico da marca e objetivo do produto, pode ser um tiro saindo pela culatra.
- https://www.instagram.com/andredoval/reel/DIGtAqmx7r-/
- https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/a-polemica-quebra-de-exclusividade-de-produtos-da-marca-tania-bulhoes
- https://www.youtube.com/watch?v=LPLWTT3ZVMo
- Influence, New and Expanded: The Psychology of Persuasion (English Edition)” por “Robert B. Cialdini