
Quem acredita na ciência, ou os próprios cientistas, ficam espantados quando testemunham atitudes e comportamentos que negam os conhecimentos científicos. Temos visto muitos exemplos disto. Só para citar alguns, vemos aqueles que defendem que a Terra é plana. Ou os que negam o aquecimento global e os seus efeitos. Ou, ainda, os que não vacinam seus filhos, por acreditarem que isto os expõe ao risco de “contraírem” autismo (SIC).
Essas crenças contrárias à ciência são, obviamente, amplificadas por alguns fenômenos do nosso tempo, tais como a enorme abundância de informações e a sua manipulação por interesses políticos. Mas todas as crendices anticiência, em qualquer época, podem ser também explicadas por heurísticas e vieses cognitivos humanos. Menciono alguns destes vieses a seguir.
O viés da confirmação acontece quando a pessoa seleciona as informações que reafirmam suas crenças (e desconsidera as que as negam). O viés é mais forte ainda quando essa confirmação vem de alguém em posição de autoridade. Um exemplo é o ex-cientista Andrew Wakefield*. Depois desacreditado, ele publicou um estudo associando autismo a vacinas. Entre pessoas que já tinham uma atitude de desconfiança contra vacinas, esta informação ganhou peso e levou à (in)ação. Por exemplo, muitos pais europeus negaram a vacina contra caxumba, sarampo e rubéola a seus bebês.
A aversão à informação é outro viés a influenciar algumas das crenças anticiência. Nós, humanos, tendemos a evitar informações que causam dor ou frustração. Evidentemente, se a notícia é de que nosso futuro está ameaçado por uma catástrofe climática, por exemplo, tendemos a negá-la ou ignorá-la.
Somos também vítimas do viés da normalidade, em que temos dificuldade em imaginar um futuro diferente do nosso presente. Relacionado a este último, temos também a tendência a desconsiderar eventos que acontecerão no futuro distante. Isto se chama viés do presente. Fazemos isso até com eventos inevitáveis (como por exemplo, nosso envelhecimento, e consequente necessidade de previdência). O que dizer, então, de eventos distantes e relativamente incertos (ao menos para os que não acreditam nas previsões da ciência), como o aquecimento global e as consequentes catástrofes previstas.
Agora que falamos um pouco dos nossos vieses, que explicam a adesão a teses refutadas pela ciência, vamos focar no caso específico das vacinas. O efeito de um estudo fraudado*, associando vacinas a autismo, teve consequências devastadoras. Pais leigos, mas preocupados e bem-intencionados, deixaram de ouvir a opinião da comunidade cientifica e das autoridades de saúde. E deixaram de vacinar seus filhos. Consequentemente, muitas doenças já erradicadas em países europeus retornaram, como, por exemplo caxumba, sarampo e rubéola. E, obviamente, a incidência de autismo não aumentou.
Este é um exemplo de como nossos vieses cognitivos levam a crenças, que levam a decisões equivocadas e, às vezes, catastróficas. No próximo post, falaremos de uma maneira de contornar atitudes equivocadas e mudar comportamentos.
* Vaccination as a cause of autism—myths and controversies, Michael Davidson, Dialogues Clin Neurosci. 2017 Dec