Arquitetura do Comportamento

O que a ciência comportamental traz de tão diferente do que já fazemos?

Inspirado por um texto do Chris Harvey (1) e por uma pergunta de uma cliente, resolvi escrever esta postagem. O que fazemos diferente do que o pessoal de pesquisa e de marketing já faz?

Vou comentar 3 pontos importantes aqui: os métodos de coleta de informações; as estruturas e frameworks analíticos; e as diferenças sutis na execução.

Métodos de coleta. Usamos pesquisa como um dos insumos para o nosso trabalho. Mas a pesquisa, como vem sendo feita há mais de 70 anos precisa ser atualizada. Muito da pesquisa convencional conta demais com o perguntar e responder. Quem conhece ciência comportamental sabe que perguntas acionam respostas racionais, ou seja, acionam o sistema 2. Só que grande parte (mais de metade) das nossas decisões é baseada no sistema 1, automático e inconsciente. Ou seja, daí vêm as racionalizações e a contradição entre o declarado e o comportamento real, que vemos o tempo todo em pesquisas com consumidores.

A ciência do consumidor, ou a ciência comportamental aplicada ao consumo, usa muitas das ferramentas que a pesquisa usa. Mas com diferentes ênfases e com ajustes. Também usamos questionários. Mas ficamos atentos para que os questionários não gerem vieses. Por exemplo, o efeito halo é uma constante nos questionários em pesquisa. Mas ele não é inevitável. Existem maneiras de evitá-lo. Da mesma maneira, em qualitativa, podemos evitar vieses que já mencionei em muitos dos meus textos: efeito de autoridade, efeito manada, ignorância pluralística. Eles podem e devem ser contornados.

Usamos também outras técnicas que a pesquisa já usa, mas damos uma nova ênfase a elas. Observações, por exemplo, onde testemunhamos o comportamento, em vez de perguntar sobre ele. Ou técnicas derivadas, como estatística multivariada. Neurociência aplicada é outra maneira de evitar a armadilha do sistema 2. Ou, em qualitativas, o uso de projetivas e laddering é muito indicado.

Estruturas e frameworks analíticos. A ciência comportamental aplicada é voltada à mudança de comportamento. No mundo do consumo, isto significa influenciar o consumidor a fazer escolhas pela nossa marca. Os frameworks que utilizamos para a mudança de comportamento começam diagnosticando qual o motivador à escolha. Pode ser um driver de consumo, ditado por uma necessidade humana. Ou uma barreira que deve ser superada, para facilitar a decisão.

Todos estes frameworks dizem que algumas condições devem ser atendidas para que a influência sobre o comportamento seja efetiva. O COM-B, por exemplo, um desses frames, diz que a pessoa deve ter capacidade (o C), motivação (M) e Oportunidade (O), para que haja a mudança de comportamento (o B, de Behavior, comportamento em inglês). Ou seja, devemos buscar, em cada uma das dimensões (C, O, M), as barreiras ou drivers.

Portanto, ainda usando o exemplo, os drivers ou barreiras são classificados, neste caso em C, O ou M. E, dependendo da classificação, o framework propõe uma estratégia para superá-la. Digamos que o consumidor tem uma resistência dada por status quo. Por exemplo, é avesso a experimentar novas marcas ou categorias, preferindo manter-se fiel. Esta é uma barreira de motivação (M). A pessoa tem medo das consequências de adotar algo desconhecido. Neste caso, iremos sugerir, por exemplo, prova social como uma das maneiras de superar a barreira – mostrando que outras pessoas do seu grupo social já adotaram uma nova marca. Ou, ainda, a recomendação de uma pessoa em posição de autoridade ou influência (um médico, ou dentista, por exemplo.

Diferenças na execução. Nós recomendamos à empresa cliente e às suas agências (criativa, de mídia, de promoções) que tipo de intervenção e que tipo de conteúdo é mais indicado para cada caso. Por exemplo, muitas empresas usam educação, recorrem a influenciadores, usam material de ponto de venda. Entretanto, nossos modelos analíticos prescrevem com muita precisão quais são as melhores intervenções, dependendo do tipo de situação e do tipo de barreira que enfrentamos e objetivo que buscamos. Esta prescrição não é baseada em experiência apenas, mas em muita experimentação e teoria. Da mesma maneira, sabendo os mecanismos que regem o comportamento dos consumidores, o conteúdo da intervenção pode ser muito mais eficaz. Dou dois exemplos.

Todas as companhias aéreas usam avisos de segurança, mas ninguém presta atenção. Sempre, antes de cada voo, a tripulação nos lembra que devemos prestar atenção. Recomendam que mesmo viajantes frequentes devem estar atentos às instruções, pois elas variam para cada aeronave. Mesmo assim, ninguém presta atenção. Pois bem, o que Air New Zealand (2) fez? Criou vídeos muito bem-humorados, com conteúdo e execução cinematográfica. Não só se tornaram uma peça de entretenimento, como viralizaram para além dos aviões. E qual o efeito? Os passageiros passaram a prestar atenção. Eficácia de comunicação.

Um parque nacional americano tinha um grande problema. Suas árvores petrificadas estavam sendo dilapidadas. Muito turistas levavam pequenos fragmentos como lembrança. O parque, para frear essa destruição do patrimônio, fez diversas campanhas. Ameaçou com multas e prisão. Apelou à consciência das pessoas. Nada dava resultado. Até que buscou um cientista comportamental, que percebeu que as campanhas estavam usando o princípio da prova social ao contrário. Ao tentar sensibilizar os visitantes, mostrando a enorme quantidade de pessoas que levava lembranças, o parque estava reforçando esse comportamento. Dava aos visitantes a desculpa para repetir o ato: “se tantas pessoas levam, eu também posso levar”. A sugestão foi fazer o contrário: mostrar que a maioria das pessoas não leva lembranças – “você quer ser parte da minoria que está destruindo nosso patrimônio?” Com esta sutil inversão do discurso, a incidência do problema diminuiu significativamente.

O que vimos, neste texto, é que a ciência comportamental se aproveita de ferramentas consagradas, mas acrescenta uma camada metodológica, e conhecimento do comportamento humano, para tornar as intervenções junto ao consumidor mais eficazes.

1. https://www.activate-research.com/blog

2. https://www.youtube.com/watch?v=qOw44VFNk8Y

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